As cores do Inverno

Por me considerar um nostálgico incorrigível, provavelmente motivado pela minha infância danada de boa, vou falar do inverno começando pelo seu antagónico. O verão sempre me deixou saudades: a estrada até à praia, o cheiro do alcatrão a derreter, da maresia, o som das ondas, o para-brisas coberto de insetos “kamikaze”, omoplatas marcadas por escaldões e linhas que marcam fronteiras entre a pele branca e a pele morena. Já o inverno nunca me deixou nostálgico, mas sempre me fascinou. Entre outras coisas, sempre me fascinou a forma como a natureza se adapta a uma mudança tão drástica da temperatura.
E o pequeno pássaro? que não pode vestir a camisola de lã tricotada pela sua avó nas noites mais frias, e mesmo assim não congela. Como a área próxima dos olhos e bico é por onde perde mais calor, de noite, esconde a cabeça debaixo do seu casaco de penas e liga o aquecedor, transformando-se  num pompom que sabe voar. Assim que o primeiro raio de sol lhe dá um beijo quente, e depois de ter perdido cerca de 50% da massa gorda, aventura-se em acrobacias em voos picados em busca de energia para aguentar mais uma noite.
Não gosto de ver os meses de inverno como representantes de infelicidade e desventura. Nunca entendi esse hábito de roupas escuras e chapéus-de-chuva pretos. Gostava que a moda fosse alegre e que as pessoas usassem sobretudos, casacões e capas de cores vivas nos dias frios e chuvosos, respondendo ao tempo com a sua alegria interna. Encher as ruas com vermelhos, com amarelos e com alaranjados, que aquecem a paisagem imitando as flores que desabrocham para enfrentar valentemente a frieza dos campos e cidades. A vida é feita de ciclos e para nos podermos regozijar com as mornas temperaturas, temos de aceitar os frios e, assim, saber a diferença entre uns e outros.
O inverno, este ano por terras de Coimbra é decididamente luminoso, quente e seco. Talvez para compensar o ano anterior que foi nublado, frio e húmido. Há muitos séculos que as plantas utilizam o frio como ferramenta para se desfazerem das folhas velhas e inúteis e para se livrarem das pragas de pequenos bicharocos. E se fizéssemos o mesmo? Despimo-nos das coisas más que ficaram em crónicas passadas, vestimo-nos de coisas boas com a ajuda do natal quente e reconfortante, e enfrentamos um novo ano vestidos a rigor. Venha o próximo ciclo, porque no fundo… a vida é um conjunto de ciclos. (TS)

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