O comboio


Hoje acordei a pensar simples. Pensar simples dá-me a liberdade de enfeitar a estória  da maneira que mais me agrada, e criar um quadro de tudo à volta de nada. Amanhã vou andar de comboio. Andar de comboio faz-me lembrar como as coisas eram simples há uns anos atrás. Não tive a sorte de crescer na era dos comboios. Aos autocarros falta a cadência, o espaço e a capacidade de corrermos pelos corredores de carruagem em carruagem até chegar à minha carruagem preferida... a carruagem bar.... chocolates...Aos carros falta aquelas janelas enormes cheias de paisagens que nos levam a mundos imaginários ao som da cadência dos barulhos mecânicos do movimento (tchu-tchu). Quando era criança, os carros tinham janelas pequeninas que mal abriam, e sempre colocadas acima da linha de visão das crianças. Que horror. Nas andanças da vida, já andei em barcos, aviões e comboios, mas infelizmente a minha tarimba é nos transportes rodoviários, e não me conformo que estes últimos vieram para substituir os comboios. A verdade é que os comboios de hoje em dia já não fazem "tchu-tchu", nem são tão bons a embalar naquele terno balançar. Havia uma espécie de meditação associada ao demorado tempo de viagem, entre a nostalgia do que deixávamos e a expectativa do que iríamos encontrar, que nos fazia alternar entre a magia da paisagem e os pensamentos que dançavam no interior do nosso cérebro. Uma parte importante de nós existe nesse intervalo de tempo. Gosto do o pensamento simples de vagões cadenciados a atravessar o nosso belo país sem qualquer pressa. Não há preocupações com ultrapassagens, com furos nos pneus nem medo de adormecer. Hoje criamos esse momento introspectivo da pior forma, e fugimos para dentro de dispositivos electrónicos. A janela mágica, agora é bem mais pequena, e ficamos ali todo o tempo a saltar de aplicação em aplicação improvisando tarefas para ocupar o tempo inexistente do trajeto congelado. O mundo ficou menor e hoje conseguimos ir a qualquer lado a uma velocidade incrível, mas o nosso olhar ficou mais estreito. Tenho pena que Portugal tivesse desativado as linhas dos comboios para construir auto-estradas pagas a peso de ouro. Hoje tirando a linha litoral, facilmente acedida  de comboio, é necessário ir de transporte rodoviário para todo o lado. Amanhã no comboio vou olhar para a janela e pensar simples. Hoje acordei a pensar simples.  (TS) 


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