Às vezes entretenho-me com a morte
Nas tardes de chuva é sempre assim: uma melancolia cinzenta que traz a saudade nem eu sei de quê. A minha vida parece existir só até à janela, e para além da janela, na tristeza das árvores que à chuva se me afiguram humanas. Pessoas que conheci… já não existem. Ainda ouço o bater das asas nas tardes amenas, dos loucos momentos que guardei para mim. Não quero saber se tenho quase cem anos, mas o tempo deu-me vida que se encheu de enganos. Foram muitas as noites cheias de nada, em que sentado na poltrona do escritório, farto da minha própria companhia, chorei, sem emitir nenhum som, sacudindo os ombros como as atrizes do cinema mudo. Sentia-me só e sem vontade de chamar por ninguém porque (sei) que há travessias que só se podem fazer sozinho. Quisera algum dia voar até onde foram os meus sonhos alegres d´outrora. Hoje o meu voo não passa da janela como um acordeão reumático de tango, e fico sentado no interior de mim próprio como os esquimós velhos abandonados no gelo, esvaziados de sentimentos pela agonia da solidão que os habita. Nas tardes de chuva é sempre assim: uma melancolia cinzenta que traz a saudade nem eu sei de quê. Será que vou chover também? Não me refiro a lágrimas, refiro-me a chuva autêntica a desprender-se de mim, e a nuvem que sou a desaparecer a pouco e pouco até ficar um pinguinho que seca com o próximo sol. Nas tardes de chuva é sempre assim…(TS)
Comentários
Enviar um comentário