Helvécia
Já dentro do comboio prestes a chegar a casa, e depois de mais uma incursão pela terra dos chocolates, estava capaz de me ir embora... Outra vez...
Há dias que estamos capazes de ir embora, pegar na chave do carro sem motivo nenhum, descer pelas escadas, não vá o elevador querer estragar a súbita partida, e acelerar, queimando semáforos na direção da auto-estrada, sem ligar aos painéis que indicam as cidades e as distâncias.
Hoje não é desses dias.... Estou capaz de voltar no mesmo avião onde acabei de aterrar. É só esperar que reabasteça, e dar tempo para entrarem os novos vizinhos… Combustível, check; portas, check; cintos, check; instrumentos, check; flaps, check… e lá ia eu novamente.
Lembro-me tão bem das primeiras vezes que fui à Suíça. Depois de aterrar pela primeira vez, o meu espanto foi súbito, instantâneo e fulminante. Parecia que tinha aterrado noutro planeta, um planeta de prados verdes e vaquinhas, em que o prado é tipo chão flutuante, que esconde os albergues de betão armado que antevêem um possível cenário apocalíptico. Tinha ouvido dizer que conseguem atirar todos os habitantes lá para baixo do chão... Lembro-me de pensar: então e as vaquinhas? Também vão? Se vão, os albergues devem ter muitos buracos para sair o metano... Mas com buracos não são à prova de radiação.... Que confusão. Às vezes é assim, andamos carregados com livros cheios de angústias e de dúvidas.
O Pombo sempre disse que para além de líquidos estranhos e poeira cósmica, a vida é feita de alegria, descontração e estupidez natural. Ou via mal, ou esses três vetores não existiam na labiríntica complexidade da alma daquela gente, que ao andar eretos e sem esboçar um sorriso se confundiam com soldados quando vestiam verdes ou castanhos.
Mais tarde, noutra incursão, diz o Dohner, vamos ficar aqui sentados a ver a vida a passar? E assim foi, uma tarde bem passada a analisar o compasso das passadas dos jovens soldados que saiam das aulas... haveria uma disciplina militar naquela escola? Às vezes há surpresas assim, andamos às voltas com livros carregados de angústias e dúvidas e de repente elas esvoaçam em fumo branco. No final da tarde, tudo parecia normal, ou melhor, melhor que isso. Um billhete que dava para andar em todos os transportes, os nativos dotados de uma cordialidade a que não estava habituado, o trânsito a fluir muito devagar mas sem nunca parar, sem papeis no chão, sem pedras fora do passeio, aliás… sem pedras. Desta vez pensei...a senhora da limpeza cá do sítio, deve ser gigante para conseguir manter todas estas ruas imaculadas... Ou será que sai mais barato não contratar a senhora gigante e pedir às pessoas que não sujem? Será que pedindo com jeitinho elas não sujam, ou é melhor soltar aqueles soldados todos para meter o pessoal nos eixos... os soldados eram as pessoas quando vestiam castanho ou verde.... Afinal a escola militar, pode é estar a ensinar a não sujar. Que país complicado.
No regresso ao meu habitat fui invadido por uma sensação estranha. A definição de vida (alegria, descontração e estupidez natural), de repente transformou-se em negligência e falta de respeito. Cá os carros não andam todos pelo mesmo carril como as formigas.... Parecem as formiguinhas quando se instala o pânico provocado por umas gotas de água no formigueiro. Que caos meu deus... O tempo passa… passa... e o caos volta a transformar-se no bailado de um campo de girassóis atrás do sol. Afinal tudo depende da perspectiva e do tempo que temos para perspectivar. Ou talvez não... Não será à toa que o dinheiro está lá.... Não são produtores de metal, mas têm os relógios e as facas mais conhecidos do mundo, não cultivam cacau, mas fabricam dos chocolates mais conceituados do mundo, num país tão pequeno, criaram a maior companhia alimentar do mundo e são o exemplo da gestão exímia no setor ferroviário...
Quem diria que um punhado de terras com vaquinhas escondia mais sabedoria que tantos países cheios de superfícies comerciais repletas de tecnologia de ponta.
Às vezes não é quantidade de livros que se lêem... é aquilo que se lê. Porque há países ricos tão pobres e países pobres tão ricos? Talvez porque a riqueza de um país não está nos seus recursos, mas sim na mentalidade do seu povo. (TS)
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