Uma rua com pardais

 Da janela ele via os estudantes que sobem a rua embrulhados em panos negros. A rua era inclinada e eles subiam devagarinho passeio acima, com os músculos contraídos e o cabelo a tremer. Em casa, no calor do silêncio, ficava horas para ali, a olhar. Uma chuvinha sem peso começava a dar o ar da sua graça, e lá fora, os estudantes num princípio de frio e desconforto, mantinham a cadência da passada enquanto se enroscavam contra as suas capas. Na noite daquela rua, tinha-se a impressão de se morar num romance de Virgilio Ferreira, com página para as faculdades, onde o marcador do lugar de leitura era a rua que vai do botânico aos arcos, apesar da visão dos telhados com as plantações de antenas. Aqueles pequenos pompons pretos lá em baixo, eram os nosso futuros médicos, advogados, físicos, engenheiros, psiquiatras, professores… mas naquela noite apenas pareciam um bando de pardais à solta trauteando cânticos estudantis. Suas almas são orquestras ocultas com instrumentos que tangem e rangem, cordas e harpas, timbale e tambores, dentro deles. Todo o prazer é um vício e depois de uma época de estudo intenso, a procissão até à praça torna-se um prazer. Depois de entornarem uns baldes de inteligência etílica, acelera-lhes os cérebros enquanto as outras espécies dormem. O único vício negro é fazer o que toda a gente faz, e dormir naquela noite não era opção. A pouco e pouco os sons começam a mudar de tonalidade, os pequenos pompons voltam a habitar a rua, e uma luz branca substitui a escuridão da noite. Já é dia e os pardais vão dormir. (TS)


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