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A mostrar mensagens de julho, 2018

O velho e o mundo

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Ao entardecer, debruçado sobre a janela vejo a trovoada cair abruptamente sobre a cidade, como um pedregulho enorme. Não está dia para passear. Hoje vou ler até me doerem os olhos. No prédio da frente uma senhora sacode as migalhas de uma toalha à janela, ao mesmo tempo que os relâmpagos sacodem o ar e abanam o espaço. Rapidamente a senhora recolhe a toalha e fecha a janela, mas o velho do primeiro andar sai para a sua caminhada, cumprindo a rua rotina diár ia. Tem o costume de andar pelos passeios, olhando para a esquerda e para a direita. O seu olhar nítido como uma ave de rapina, e o modo como repara nas ruas, transmite-me a ideia de que vê todos os dias aquilo que nunca tinha visto. Como se as mesmas ruas escondessem a cada recanto temporal a eterna novidade do mundo. O modo como olha as casas, as árvores, como escuta os sons do vento e dos pardais,dá a sensação que nasce de novo todos os dias para beber do mundo. Anda na cidade como quem anda no campo. Às vezes penso se a metafís...

A felicidade veste branco

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Há quem diga que as páginas da felicidade são escritas com tinta branca. Talvez por isso a felicidade passe ao lado dos mais desatentos. Infelizmente, hoje em dia, há pouquíssimos motivos para acreditar que as pessoas são realmente felizes. Verifica-se entre as sociedades modernas um enorme aumento dos níveis de depressão e ansiedade, particularmente entre as crianças. Recordando uns apontamentos de física de algibeira que dizem que para qualquer porção de matéria existe a mesma quantidade de antimatéria, então para toda a depressão do mundo também existirá o seu oposto, nomeadamente sorrisos, felicidade e alegria. Sim, as companhias farmacêuticas estarão em condições de rejubilar de alegria, uma vez que os seus lucros não param de crescer à medida que inventam novas drogas atidepressivas. No marketing do sofrimento vendem-se soluções individuais sem ver e/ou perceber o que está na génese do problema. Talvez seja um problema social, e ao mesmo tempo, também um problema individual. Hou...

E porque ontem alguém fez anos…

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Procurei o significado de aniversário no dicionário na esperança de me acrescentar conhecimento, mas não… só me acrescentou idade. Diz que aniversário é “Dia em que se completa um ou mais anos”. Como não faz um ano que nasci, só me resta ficar com “mais anos”. Sempre considerei o dia do aniversário como apenas um dia cravado no calendário por acidente, fruto do acaso. Um dia que não é diferente de ontem ou de hoje, nem será diferente de amanhã.  A única diferença é que só ocorre uma vez por ano, que é uma convenção fixada para que possamos ter a impressão de que tudo começa de novo, quando na verdade, um dia sucede ao outro e não há, naturalmente, nada de novo. Para o meu ego interior, o aniversário é apenas isto… um dia normal, no entanto, o meu ser exterioriza o aniversário de outra forma. O aniversário assinala mais um ano em que os amigos e familiares dão cor e alegria à minha vida. Assim não posso deixar passar esta data, por todos aqueles que a utilizam para me fazer lemb...

Manhã cinzenta

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A manhã, meio fria, meio morna, entra pela janela, agora aberta, trazendo a pouca luz que vagueia no ar. Uma névoa ligeira, cheia de despertar, esfarrapa-se em mim ainda adormecida, trazendo a frescura lenta da manhã escura. A chuva contínua desde a noite do dia anterior, faz com que o sábado comece desinteressante. Apetece-me ficar suspenso, entre a névoa e a manhã, como um corpo espiritualizado, treinando à distância as atividades humanas e emoções perdidas.  Tenho de me fazer à vida. Olho à janela e vejo uma rapariga lá em baixo, à chuva. Corre pela estrada despida de carros, e entra na pastelaria. Provavelmente mantém o hábito de tomar o pequeno-almoço mesmo nos dias de chuva. São escolhas; eu também mantenho o hábito de almoçar todos os dias; são escolhas. Regra é da vida que podemos, e devemos, aprender com toda a gente. Há seriedade da vida que podemos aprender com charlatães, filosofias com os estúpidos e lições de firmeza que vêm no acaso. Tudo está em tudo. A chuva parou...

"A vida seria trágica se não fosse divertida..."

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Apagou-se uma das estrelas mais brilhantes do universo científico… Depois de lhe ter sido diagnosticado aos vinte e um anos, uma doença degenerativa fatal (esclerose lateral amiotrófica), a comunidade médica deu-lhe dois a três anos de vida. Stephen Hawking agarrou nesses três anos, e num percurso de força e amor, desafiando os limites do cosmos e da vida humana, transformou-os em mais cinquenta anos. Em 1985, uma grave pneumon ia deixou-o a respirar por um tubo, forçando-o, desde então, a comunicar através de um sintetizador de voz eletrónico. Vivendo sob o espectro de uma morte precoce, sempre disse que não tinha medo da morte, mas também não tinha pressa de morrer, pois ainda tinha muitas coisas para fazer. Dedicou a sua vida à descoberta do Universo, à razão pela qual existimos, e pela qual deixamos de existir. Apesar de todos os contributos sobre os buracos negros, estes continuam envoltos em mistério. No seu enorme legado, deixa-nos a radiação de Hawking, emitida pelos buracos n...

Do oito ao oitenta

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Aos domingos um passeio pelo pulmão da cidade, a Alameda. Observava os mais velhos sentados em bancos de pau, que em movimentos de câmara lenta, decapitavam o pescoço comprido da cinza do cigarro com o mindinho. Nessa altura toda a gente fumava... Até os mais novos, que sem opção, acabavam por se habituar a viver em constantes castelos de nuvens em tons de brancos e cinzentos. Se há coisa que não tenho saudades, é do tempo em que se fumava em todos os locai s. Ir a um restaurante, café, bar ou discoteca era um terror… O cheiro do tabaco tinha a capacidade de se entranhar na roupa e cabelo com mais facilidade, do que o vírus da gripe de assaltar os humanos mais distraídos. Não se sabe quando ou se irá desaparecer definitivamente, mas é certo que se acabaram os dias de glamour do cigarro, em que era associado à sedução e poder. Voltando à Alameda, a quantidade de ruídos de que é feito o silêncio é impressionante; uma constelação de pequenos sons, interrompidos pelos berros estranhamente...