A felicidade veste branco
Há quem diga que as páginas da felicidade são escritas com tinta branca. Talvez por isso a felicidade passe ao lado dos mais desatentos. Infelizmente, hoje em dia, há pouquíssimos motivos para acreditar que as pessoas são realmente felizes. Verifica-se entre as sociedades modernas um enorme aumento dos níveis de depressão e ansiedade, particularmente entre as crianças. Recordando uns apontamentos de física de algibeira que dizem que para qualquer porção de matéria existe a mesma quantidade de antimatéria, então para toda a depressão do mundo também existirá o seu oposto, nomeadamente sorrisos, felicidade e alegria. Sim, as companhias farmacêuticas estarão em condições de rejubilar de alegria, uma vez que os seus lucros não param de crescer à medida que inventam novas drogas atidepressivas. No marketing do sofrimento vendem-se soluções individuais sem ver e/ou perceber o que está na génese do problema. Talvez seja um problema social, e ao mesmo tempo, também um problema individual. Houve um retrocesso sistemático do otimismo e um aumento da pressão sobre as pessoas para competir, para aumentar o seu valor individual. A competitividade aumenta e quem não acompanha, cai. Creio que quanto mais igualitária é uma sociedade, menos violência, menos stresse e menos sofrimento existe nela. Pelo contrário as desigualdades aumentam a tristeza, a ansiedade, e consequentemente, o sofrimento. Hoje somos inundados por livros, frases e anúncios de autoajuda (milagres da medicina moderna) que nos incentivam a não ouvir o mundo e ir em frente apenas com os nossos sonhos e pensamentos. “Segue o teu sonho e conseguirás o que queres”. É frequente ver as pessoas a carregar debaixo do braço estas autênticas bíblias com cânticos de apoio ao individualismo desenfreado, como que uma prova de que são modernos. E se nos relacionássemos com outras pessoas, de um modo que nos possamos ajudar uns aos outros, em vez de nos vermos como únicos responsáveis pela nossa condição? Gosto da ideia do sentimento de humanidade compartilhada, de estarmos abertos ao mundo. Parques, música, dançar, aprender e produzir… Os momentos que nos lembramos com alegria, são quase sempre momentos compartilhados. Até ao admirar a beleza do mundo natural, o sentimento de beleza cresce se pudermos compartilhar essa beleza com outra pessoa. Somos essencialmente seres sociais. Obtemos prazer uns com os outros. Não há nada como um bom abraço. Somos criaturas físicas. Numa época em que até a amizade e o amor estão completamente virtualizados, continuo pensar que é impossível acreditar que já não precisamos de abraçar, cuidar uns dos outros, ter contacto físico cara a cara… ter um sorriso real no rosto e realmente sorrir, ouvir o riso dos outros, e ver os sorrisos. O mundo não somos nós. Para existir um sentido em que a vida tenha sentido, gosto pensar no mundo em larga escala e no meu lugar temporário nele. Os que estão à nossa volta vão continuar a viver mesmo depois de nós, mas iremos continuar a viver no pensamento deles. Então porque não deixá-los viver hoje também no nosso pensamento? Deixá-los entrar, desarrumar a nossa casa, e instalar-se na nossa biblioteca de memórias. Se vivermos só para nós, apenas vamos ficando mais velhos a cada dia…(TS)
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