O velho e o mundo
Ao entardecer, debruçado sobre a janela vejo a trovoada cair abruptamente sobre a cidade, como um pedregulho enorme. Não está dia para passear. Hoje vou ler até me doerem os olhos. No prédio da frente uma senhora sacode as migalhas de uma toalha à janela, ao mesmo tempo que os relâmpagos sacodem o ar e abanam o espaço. Rapidamente a senhora recolhe a toalha e fecha a janela, mas o velho do primeiro andar sai para a sua caminhada, cumprindo a rua rotina diária. Tem o costume de andar pelos passeios, olhando para a esquerda e para a direita. O seu olhar nítido como uma ave de rapina, e o modo como repara nas ruas, transmite-me a ideia de que vê todos os dias aquilo que nunca tinha visto. Como se as mesmas ruas escondessem a cada recanto temporal a eterna novidade do mundo. O modo como olha as casas, as árvores, como escuta os sons do vento e dos pardais,dá a sensação que nasce de novo todos os dias para beber do mundo. Anda na cidade como quem anda no campo. Às vezes penso se a metafísica do velho é não pensar no mundo, observando-o apenas, concordando com ele. Saber ver sem estar a pensar é certamente uma arte e exige um estudo profundo. Que ideia terá das coisas? Se nós somos do tamanho daquilo que vemos, de que tamanho será o velho? Nas cidades os apartamentos fecham a vista à chave e escondem o horizonte. Mas o velho não se deixa enganar, e todos os dias vai ver quanto na terra se pode ver do universo. Eu já nasci noutra época, por isso resta-me ficar em casa para não me constipar, ouvir o luar a bater nas pedras da calçada, e ler até me doerem os olhos. Um dia quando for velho quem sabe... (TS)
Comentários
Enviar um comentário