Manhã cinzenta
A manhã, meio fria, meio morna, entra pela janela, agora aberta, trazendo a pouca luz que vagueia no ar. Uma névoa ligeira, cheia de despertar, esfarrapa-se em mim ainda adormecida, trazendo a frescura lenta da manhã escura. A chuva contínua desde a noite do dia anterior, faz com que o sábado comece desinteressante. Apetece-me ficar suspenso, entre a névoa e a manhã, como um corpo espiritualizado, treinando à distância as atividades humanas e emoções perdidas. Tenho de me fazer à vida. Olho à janela e vejo uma rapariga lá em baixo, à chuva. Corre pela estrada despida de carros, e entra na pastelaria. Provavelmente mantém o hábito de tomar o pequeno-almoço mesmo nos dias de chuva. São escolhas; eu também mantenho o hábito de almoçar todos os dias; são escolhas. Regra é da vida que podemos, e devemos, aprender com toda a gente. Há seriedade da vida que podemos aprender com charlatães, filosofias com os estúpidos e lições de firmeza que vêm no acaso. Tudo está em tudo. A chuva parou, veio uma suspeita de sol. Cansar-me da chuva? Canso-me só quando penso. Quando a observo ou a sinto, não penso. Nestes dias feios, o mundo exterior existe como um ator num palco: está lá, mas é outra coisa. No mundo interior do apartamento, a lareira ilumina outra peça, num teatro em que chego ao ponto de crer que o tédio é uma pessoa, a ficção encarnada do meu convívio comigo próprio. Bem, está na hora do pequeno-almoço... pão torrado e cogumelos com ricota e manjericão. (TS)
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