Do oito ao oitenta

Aos domingos um passeio pelo pulmão da cidade, a Alameda. Observava os mais velhos sentados em bancos de pau, que em movimentos de câmara lenta, decapitavam o pescoço comprido da cinza do cigarro com o mindinho. Nessa altura toda a gente fumava... Até os mais novos, que sem opção, acabavam por se habituar a viver em constantes castelos de nuvens em tons de brancos e cinzentos. Se há coisa que não tenho saudades, é do tempo em que se fumava em todos os locais. Ir a um restaurante, café, bar ou discoteca era um terror… O cheiro do tabaco tinha a capacidade de se entranhar na roupa e cabelo com mais facilidade, do que o vírus da gripe de assaltar os humanos mais distraídos. Não se sabe quando ou se irá desaparecer definitivamente, mas é certo que se acabaram os dias de glamour do cigarro, em que era associado à sedução e poder. Voltando à Alameda, a quantidade de ruídos de que é feito o silêncio é impressionante; uma constelação de pequenos sons, interrompidos pelos berros estranhamente humanos dos pavões que lá habitavam com alegria e descontração. Escrever é também isso: alegria e descontração, com pinceladas coloridas de uma ingénua vaidade. Nessa altura, não tinha computador, não tinha telemóvel, não tinha cartão de crédito, não tinha carro, resumindo: era todo meu. Não há tecnologia e estou só para mim… mas fumo os nevoeiros em tons de brancos e cinzentos dos vizinhos aspiradores de nicotina. O tempo passa, o nevoeiro do cigarro desaparece, e agora a tecnologia aspira-me todo o tempo do mundo. O ser humano é um eterno insatisfeito. Com o progresso, veio o declínio dos valores morais, e vive-se numa época onde se prioriza a liberdade, onde o certo e o errado se confundem, aonde vale tudo para ser feliz, em oposição às gerações passadas, onde tudo era proibido, pecado e errado… Do oito ao oitenta. É extraordinário a quantidade de pensamentos inesperados que estão à nossa espera em cada esquina, em cada momento.

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