Era uma vez na casa dos avós...
Há muito muito tempo, num pequeno e humilde povoado da serra algarvia, já se avistava o fumo que saía das pequenas chaminés dos fornos de lenha, que pintados de um branco imaculado, faziam turnos atrás de turnos para cozer o pão e os bolos tradicionais da época natalícia. Cada casa daquele povoada tinha uma história diferente para contar, e o pequeno Francisco todos os anos, invariavelmente, abdicava do conforto da cidade, para passar as férias de natal na casa de aldeia dos avós. Vinha-lhe o aroma agradável do pão doce que a sua avó acabara de tirar do forno e o seu pequeno estômago já delirava de felicidade. A chuva fria caía de mansinho. O cheiro da terra molhada enroscado no aroma das roseiras, o bailado das oliveiras, o crepitar da lenha na lareira, transformavam a sua chegada numa festa de sensações. A primeira reação era correr para junto da lareira onde, em cima da mesa já se encontrava uma fatia de pão ainda quente com manteiga, e um copo de leite com cevada torrada.
- Avó, ainda tens os enfeites de natal do ano passado? Vamos arranjar um pinheiro ainda maior este ano? Olha, trouxe mais figurinhas de cerâmica para o presépio. Este ano fazemos um presépio mais bonito:
-Calma, uma coisa de cada vez. Está tudo bem guardado. Vamos lá então à procura do nosso pinheiro.
E era assim todos os anos, enquanto o avô carregava mais uma braçada de lenha para o forno, o pequeno Francisco e a sua avó iam cada vez mais longe, caminhando por montes e vales em busca do pinheiro mais bonito, para depois no aconchego da lareira colocarem os enfeites que terminavam com as luzinhas coloridas. Por mais que desse largas à imaginação, a árvore de natal ficava sempre igual, variando apenas o tamanho e a forma... as fitas eram as mesmas, as bolas eram as mesmas e as luzinhas coloridas também.
O dia acabava tão depressa… não percebia porque na escola os dias eram longos e o tempo quase que parava, enquanto que na casa dos avós o tempo fugia montado num cavalo muito veloz.Eram assim os natais.
Naturalmente que as férias de verão eram passadas nessa mesma casa. O pequeno Francisco e o seu avô acordavam bem cedo para espreitar o sol, sentados no beiral da entrada da casa. Cada carro que passava levantava-se a mão para cumprimentar, mesmo que não se conhecesse quem lá ia. O mais engraçado é que do outro lado também acenavam com a mão. Depois do pequeno almoço, mergulhavam pelo mato à procura da madeira ideal para fazer arcos, flechas, fisgas, bordões e tudo o que estivesse ao alcance da imaginação do seu avô. As tardes eram passadas a criar os artefactos com a matéria prima recolhida durante a manhã. Dias felizes… O tempo passou tão depressa que o pequeno Francisco hoje, tem vinte anos a mais. O pequeno Francisco sou eu, e a casa que outrora se encontrava cheia de vida, hoje está enterrada num profundo silêncio.
Naquele que foi o dia dos avós, a vida continua, mas as lembranças permanecerão arrumadas nas gavetas das nossas mentes. Às vezes desarrumamos tudo outra vez, sentimos a nostalgia por uns momentos, e voltamos a arrumar tudo novamente. Faz parte da aprendizagem, torna-nos mais fortes e faz-nos crescer. (TS)
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