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A mostrar mensagens de 2017

A aldeia que o tempo perdeu

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O pequeno Guilherme crescera em tons de uma bipolaridade dicotómica que saltitava entre o cinzento da cidade e o verde da serra. O dia-a-dia do período das aulas era passado na, então pouco cosmopolizada, capital. As férias eram religiosamente passadas na aldeia, onde os arcos, flechas e bestas recriavam o filme do Robim dos Bosques, aquele senhor que roubava aos ricos para dar aos pobres. Os aromas do campo eram os únicos odores de santidade que conhecia. Ao crepúsculo era frequente ouvir a sua avó a chamar -            Guiiiiiiiii Num grito que, partido da sua aldeia, alcançava os melros no cume das árvores mais altas dos montes vizinhos, e afogava as lagartixas que bebiam o calor das pedras da ribeira. A vila junto à aldeia era formada por gente visivelmente envelhecida, pelo que os funerais eram tão constantes na rotina dos seus habitantes, como na capital as idas semanais ao cinema. Os cortejos fúnebres faziam ...

Uma rua com pardais

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  Da janela ele via os estudantes que sobem a rua embrulhados em panos negros. A rua era inclinada e eles subiam devagarinho passeio acima, com os músculos contraídos e o cabelo a tremer. Em casa, no calor do silêncio, ficava horas para ali, a olhar. Uma chuvinha sem peso começava a dar o ar da sua graça, e lá fora, os estudantes num princípio de frio e desconforto, mantinham a cadência da passada enquanto se enroscavam contra as suas capas. Na noite daquel a rua, tinha-se a impressão de se morar num romance de Virgilio Ferreira, com página para as faculdades, onde o marcador do lugar de leitura era a rua que vai do botânico aos arcos, apesar da visão dos telhados com as plantações de antenas. Aqueles pequenos pompons pretos lá em baixo, eram os nosso futuros médicos, advogados, físicos, engenheiros, psiquiatras, professores… mas naquela noite apenas pareciam um bando de pardais à solta trauteando cânticos estudantis. Suas almas são orquestras ocultas com instrumentos que tangem e...

Os adereços e a civilização…

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O espaço individual da cognição humana é muito pequeno. Vivemos na rotina e para a rotina até sermos forçados ao contrário. Um automático de decisões anteriormente tomadas e de rotinas estabelecidas. Somos criaturas automatizadas nos nossos mundos, percorrendo os caminhos de menor resistência, já bem conhecidos, fazendo correr as rotinas que já conhecemos e as que mais gostamos. Para que não tenhamos de refletir em tudo o que fazemos, o que se torna cansativo, buscamos sítios e ações onde a reflexão já tenha sido feita. Ao passear pelo parque ao fim‑de‑semana, deixamos que este nos guie pelos seus caminhos e aproveitamos as atividades e atrações que já lá estão. O parque guia-nos pelas suas rotinas, pelo que não necessitamos muita reflexão. Procuramos no parque a oportunidade de ser um tauista temporário que busca o modo de vida da não-ação. À medida que crescemos, tornado-nos repositórios de hábitos, convenções e preconceitos, que depois de determinada idade, raramente são repensados...

Um Deus criacionista (parte I)

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No princípio, antes da génese dos universos não havia ainda sido criado o tempo, nem gerado o espaço. Sem o binómio tempo-espaço, não havia galáxias, nem sistema solar, nem moléculas, e por consequência… não havia qualquer forma de vida complexa ou inteligente, nem lugar para nascerem. Não havia nada? Havia Deus… mas estava só… sozinho sem nada que ver, sem nada que ouvir, sem nada que fazer… nada de nada. E assim viveu biliões e biliões e biliõ es de anos. Um dia, pensou que viver sozinho num mar de nada era demasiado aborrecido e decidiu que tinha de fazer algo para acabar com a monotonia. Sentou-se, esticou as pernas, inclinou a cabeça para cima, e ali ficou imóvel por mais uns biliões e biliões de anos a pensar. Esperem lá… Deus tem pernas? Tem cabeça? Adiante… Sem energia nem matéria e numa solidão sem limites, sombria pela ausência de luz, a tarefa não seria fácil. De que lhe valia ser omnipresente, omnipotente e omnisciente, se não existia nada para além dele. Decidiu então cri...

Em agosto, nada de nada

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A pouco e pouco o céu começa a mudar de tonalidade, anoitece e as coisas tornam-se mais delicadas antes de desaparecerem no escuro. A luz amarela dos candeeiros substitui a claridade azul. As sombras principiam a crescer numa paz lenta de silêncio. Em agosto nada acontece nesta cidade. Não há gritos, não há carros nas ruas, não há azáfama… nada de nada. Tanto ruído no interior deste silêncio. Acendo um velho candeeiro, puxo uma cadeira para me sentar   e deito no copo um resto de whisky que acampava numa garrafa há mais de 8 anos. As cadeiras e a mesa ganham um novo sentido, um aspeto mais útil. Um pouco incomodado pelo tamanho silêncio, tento escrever umas linhas. Encostada à parede a minha guitarra contente de ser bonita, interessada na minha escrita, coitada - Sou gira não sou?     Não é lá muito gira, mas garanto-lhe com a cabeça que sim. Ela aumenta logo de tamanho, feliz, enquanto as sombras principiam crescer na paz lenta do silêncio. Se eu soubesse tocar...

Loucura é apenas loucura

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Já na praia, rumorosa das próprias ondas, ou do vento que sopra frases de liberdade, entregava-me às coisas suaves, às maravilhas da impressão profunda. Os tons de um azul oblíquo, e a espuma que desabava na areia, congregavam em si todas as ressacas num regresso à liberdade da origem. Ali dormia sem sono, desviado da noite de mim mesmo e da frescura das tardes tristes. A doçura de estar só, em que sentimos o orgulho do desterro a embater-nos na tes ta, abraça-nos como se de uma loucura terna se tratasse. Os sonhos fazem-nos crescer, mas dar demasiada importância aos sonhos, é dar demasiada importância a algo que se separou de nós próprios. A vulgaridade veste-nos de conforto num quotidiano materno, e mesmo quando nos afastamos desse conforto, sabe tão bem voltar ao bar onde riem os parvos felizes, e beber com eles, parvos também. Não me espanta que se diga que um homem louco supera em muitos conseguimentos da vida, um homem vulgar. Os epilépticos são, na crise, fortes, os paranóicos ...

Living Chapters part II

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Sometimes I walk alone on the road until I get lost in Thoughts. I look left, I look right and sometimes, I look back.  Sometimes I see what I couldn’t see before, and other times I just walk. The great thing about getting older is that you don't lose all the other ages you've been. Sometimes I’m trapped inside the prison walls that used to be my mind, and the man I used to be has long been left behind. Other times the children I was before start living in my mind. Each moment in life is a new chapter and each one provides a new lesson to learn and a story to tell. I have done the careless chapter, the naïve chapter, the lost chapter, the growing chapter, the learning chapter, the happy chapter, the comfortable chapter. Who decides these chapters anyways? You wanted to grow up fast .... There you go. What did you lose, what did you win? Seen things, you grew faster than you imagined and yet, everything was so slow in the old times.Infinite hours watching the sun rise,...

Noite

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É noite. A noite é escura porque as nuvens teimam e não deixar passar a luz que a lua tenta refletir. Da janela vejo as luzes dos apartamentos engavetados em paralelepípedos rectângulos, que na vertical criam um bonito jardim de betão. As pequenas luzes que saem das gavetas são como que instantes visíveis de vidas suspensas no tempo. Observo-as e sinto-me humano dos pés à cabeça. No calor da noite, enquanto muitos dormem, há loucos que aceleram a mente. É curioso que as  luzes das vidas alheias, vistas de longe, possam ser uma atração. Sem dúvida que essas vidas têm caras, famílias e profissões. O que me importa são só as luzes que saem das janelas. Como dizia Alberto Caeiro, “A luz é a realidade imediata para mim, e eu nunca passo para além dessa realidade”. Em relação à distância onde estou, só me importa as luzes. Quando elas se apagam…quem sabe se as vidas que lá existiam continuam a existir? TS

Meu Deus, tanto sono!

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À noite, às vezes ficamos só no quarto com o sossego de nós próprios. Quando o pano baixa e a escuridão nos toca levemente no fundo da retina, como quem nos chama para uma viagem de sensações subconscientes, começam as surpresas vívidas. É um universo barato. O relaxamento inconsciente, faz-nos renascer para uma outra vida repleta de pesadelos agradáveis. Capítulos inacabados que nos fazem querer fechar os olhos e voltar a mergulhar de novo na cena interrompida em gritos histéricos por um qualquer despertador. Naquele palco não existimos. Somos intervalos entre o desejo de ser e o que realmente somos. Se também houver vida nesse palco, então somos só metade desses intervalos entre o desejo e a realidade. Não pensamos em nada, que é a coisa central de ser coisa nenhuma. Pensar em nada é viver intimamente os fluxos e refluxos da vida. Também cansa. A certa altura temos de ficar cansados. A transparência lúcida do entendimento retrospetivo acompanha bem com uma vontade de sono no corpo. ...

Desabafos por arrumar

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Após ler o texto intitulado "A triste geração que tudo idealiza e nada realiza" escrito por Marina Melz para a revista brasileira "Paz", fiquei com uma enorme vontade de soltar os desabafos que, mal arrumados, me ocupam espaço na biblioteca intelectual.  A jornalista começa por referir que chegou à conclusão que somos uma geração que compartilha sem ler, defende sem conhecer e idolatra sem se perguntar porquê. Somos aqueles que empreender é fácil e toda a gente pode viver do que gosta de fazer. Fazemos cada vez menos política na vida e mais no facebook. Uma geração que não se importa de errar porque conta com a tecla de apagar. Postar é tão fácil (e apagar também) que postamos tudo sem o peso do papel ou da credibilidade. Há uma década a informação só se conseguia se tivéssemos sede de conhecimento e trabalho de a procurar. Hoje a informação aparece-nos sem esforço à frente dos olhos, quase sempre deturpada, e inserida num contexto leviano que nos retira valore...

Os dias de uma cidade normal...

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A cidade onde moro há 5 anos é a mesma que habita os sonhos dos estudantes há mais de quatro séculos. Cidade sem idade, onde muitos sonhos nasceram e muitas lágrimas se verteram. As ruas que se dobram em cotovelos imprevistos, correm coxas com um passeio ao sol e outro à sombra. Aquando da minha chegada, muitos sábados foram passados a cavalgar a fera amarela, um jipe ancião de fabrico português que a minha mãe me comprou há muitos anos atrás. Procedia com método à verificação da cidade, ponte por ponte, faculdade por faculdade, numa peregrinação que terminava invariavelmente no Penedo da Saudade. Ali via a vida a passar numa paciência de pele-vermelha que aguada, atrás do seu penedo, a chegada dos batedores brancos. Certa manhã fria, desci até ao jardim botânico e sentei-me num banco de ripas a ler as crónicas que um amigo meu publicou, enquanto um raio quente de sol, perdido por entre os galhos carnudos, se me enroscou aos tornozelos numa fraternidade canina. As letras que saltavam ...

A arte do movimento

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Tu que moves o mundo, posso mover-te a ti? Puxo-te para aqui, inclino-te para ali… Coloco o pé esquerdo junto às nuvens, e, com o corpo, ensino-te a escrever no espaço. Jogamos em absoluta confiança neste mundo tão diferente. Sentimos as formas que desenhamos no chão; alongar, encolher, rodopiar e inclinar, e depois de tanto ensaiar… começam a soltar-se versos escritos no ar. Com movimento, graça e leveza, em gestos leves repletos de magia, a vida passa enquanto o dançarino cria. Não é o ritmo nem os passos, é a paixão… Se voar dizem que cansa, eu quero correr o mundo em passos de dança. (TS)

Manhã aTRUMPalhada…

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7:30h  Subo ao íngreme topo do desfiladeiro. A paisagem é de cortar a respiração… tiro a mochila das costas para pegar no telemóvel e tirar umas fotos, mas reparo que deixei o telemóvel em casa… não é inteligente ir para o Grand Canyon sem telemóvel… e ainda menos inteligente quando se vai sozinho. Contemplo a paisagem. Fecho os olhos para inspirar o gélido ar puro… e puff. 7:35h A lividez gelada da manhã aclara-me os olhos e sou brutalmente arrancado do útero do sono pelo saltitar frenético do alarme do meu relógio. Sim, durmo com o relógio porque decidi monitorizar o sono (modernices). Olho para o pulso e vejo que dormi 9 horas. Dormir 9 horas é ótimo para compensar o cansaço acumulado, não fosse o relógio dizer que a eficiência do sono foi de 65%… Dormi 9 horas mas descansei como se tivesse dormido 4 horas. Há coisas que mais vale não saber. 7:40h  Olho para o telemóvel e vejo em todos os jornais uma cara entre tons de loiro e laranja que antecipa sufrágios. Esta...